ARTIGO PUBLICADO EM 03/07/2020

Identificada peçonha em espécie de anfíbio conhecido como Cobra-Cega

Matéria reproduzida da "Revista Galileu"

Foto Carlos Jared/Instituto Butantan

https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Biologia/noticia/2020/07/glandulas-de-veneno-como-de-serpentes-sao-vistas-em-anfibios-pela-1-vez.html

Um grupo liderado por pesquisadores do Instituto Butantan e apoiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) descreveu pela primeira vez a presença de glândulas de peçonha na boca de um anfíbio. O animal sem patas que vive no ambiente subterrâneo, conhecido como cecília ou cobra-cega, possui glândulas associadas aos dentes que, quando comprimidas durante a mordida, liberam uma secreção que penetra nos ferimentos causados nas presas – minhocaslarvas de insetos, pequenos anfíbios e serpentes e mesmo filhotes de roedores. O estudo foi publicado na iScience.

“Estávamos analisando as glândulas de muco que o animal tem na pele da cabeça, para abrir caminho debaixo da terra, quando nos deparamos com essas estruturas. Elas se posicionam na base dos dentes e se desenvolvem a partir do mesmo tecido que lhes dá origem, a lâmina dental, assim como ocorre com as glândulas de peçonha das serpentes”, diz Pedro Luiz Mailho-Fontana, primeiro autor do estudo, que realiza estágio de pós-doutorado no Instituto Butantan com bolsa da Fapesp.

Em artigo publicado em 2018 na Scientific Reports, o grupo havia demonstrando que além de glândulas de muco espalhadas pela pele do corpo, as cecílias possuem uma grande concentração de glândulas de veneno na pele da cauda, como forma de defesa passiva de predadores. Nesse sistema, que existe também nos saposrãspererecas e salamandras, o predador se envenena ao morder o animal.

Agora, os pesquisadores mostraram que as cecílias podem ser peçonhentas, ou seja, seriam os primeiros anfíbios a possuírem uma defesa ativa, quando o veneno é usado para atacar, como fazem serpentes, escorpiões e aranhas. A secreção que sai das glândulas serve ainda para lubrificar as presas e facilitar sua deglutição.

“As serpentes acumulam a peçonha em bolsas que, quando pressionadas pelos músculos, é injetada através dos dentes. Nas cascavéis e jararacas, por exemplo, esses dentes são ocos, semelhantes a agulhas de injeção. No caso das cecílias, a compressão das glândulas durante a mordida libera o veneno, que penetra no ferimento. É o que fazem lagartos como o dragão-de-komodo e o monstro-de-gila”, diz Carlos Jared, pesquisador do Instituto Butantan e coordenador do estudo.

O trabalho integra o projeto “Desvendando o cuidado parental nas cecílias: implicações nutricionais e toxinológicas em Siphonops annulatus”, financiado pela Fapesp.

O grupo foi o primeiro a demonstrar, em um trabalho publicado na Nature em 2006, que os filhotes das cecílias da espécie Boulengerula taitanus alimentam-se exclusivamente da pele da mãe nos primeiros dois meses de vida. Em 2008, o grupo descreveu o mesmo comportamento na espécie Siphonops annulatusem artigo na Biology Letters.

Com exceção de um grupo que vive em ambientes aquáticos, as cecílias passam toda a vida em túneis subterrâneos. Por isso, possuem olhos reduzidos, que percebem a luz, mas não formam imagens. São ainda os únicos vertebrados que possuem tentáculos, próximos aos olhos, que reconhecem o ambiente pelo toque e por receptores químicos.

 

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